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A Alagoas

Os exaustos homens-cangurus dos canaviais de Alagoas

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Os exaustos homens-cangurus dos canaviais de Alagoas

Trabalhadores que chegam até o limite do seu corpo em um esforço físico que os deixam paralisados de dor

↑ O cortador de cana que não consegue atingir a meta exigida pela indústria, sai no 'jacaré' (Foto: Sandro Lima)

Não são nem 7 da manhã e a equipe do jornal Tribuna Independente chega a um ponto de espera de ônibus que leva os cortadores de cana-de-açúcar aos canaviais da cidade de São Miguel dos Campos, no interior de Alagoas, onde iniciam mais um dia de labuta. Lá estão dezenas de trabalhadores com suas foices e rostos cansados, maltratados pelo serviço exaustivo realizado debaixo de um calor escaldante. Carregam a obrigação de chegar ao limite do seu esforço físico para conseguir atingir a meta de cortar pelo menos 7 toneladas de cana nas 8 horas de trabalho diário.

Dia de trabalho começa cedo para os cortadores de cana de São Miguel dos Campos (Foto: Sandro Lima)

A rotina desses homens foi o tema da pesquisa de doutorado do professor de Sociologia Lúcio Verçoza, que lançou o livro “Os homens-cangurus dos canaviais de Alagoas” em outubro de 2018. Muito comum entre os trabalhadores do campo, o termo ainda é desconhecido pela maioria da população das áreas urbanas.

“Se eu já tive canguru? Oxe! Direto. Difícil encontrar um cortador de cana que não teve ou que não tenha visto um companheiro nessa situação. Trava tudo, as pernas, os braços. Sorte que minha língua não enrolou, porque nesse caso eu poderia até morrer, não é? Engasgado. Eu já vi companheiro desmaiar no meio das canas e até morrer. Já vi morrer, moça. É muito calor. A gente precisa cortar sete toneladas de cana para não sair no jacaré”, contou José Augusto, de 40 anos.

O termo “jacaré” é usado quando a pessoa não atinge a meta do corte de cana durante um mês, e é dispensado do trabalho.

“Às vezes a gente passa mal, mas continua insistindo e corta mais cana. Corta até o corpo não aguentar mais e acaba dando canguru. Quando eu tive, a ambulância foi me buscar e fui para o hospital tomar soro. Depois de descansar, voltei para o trabalho. Não tenho outra opção. O trabalho que tem é esse e preciso levar comida para casa”, continuou o cortador de cana.

A equipe segue para dentro de um canavial na zona rural da cidade, onde se ouve apenas o barulho das foices cortando a cana verde. O silêncio e as feições apáticas demonstram a insatisfação dos cortadores de cana com o trabalho pesado.

O que é o canguru?

 

De acordo com Lúcio Verçoza, o canguru é um “distúrbio hidroeletrolítico”, que nos canaviais paulistas é chamado de “birôla”, fenômeno extremo de perda de controle sobre os movimentos do corpo. “Trava braço, barriga e perna. Alguns chegam a ter cãibra até na língua. A pessoa fica imobilizada, com o braço colado junto ao corpo. Daí o nome canguru”, explica o sociólogo, que ressalta: “nos canaviais de Alagoas, a exploração é levada ao extremo, anulando até o futuro do trabalhador. Muitos ficam incapacitados ainda em idade produtiva. O canguru é resultado de fatores sociais que escrevem a história de Alagoas. Essas pessoas vivem, infelizmente, a vida inteira sob a ponta do facão”, opina o professor.

Lúcio Verçoza escreveu seu doutorado baseado na síndrome do “canguru” que assola os cortadores de cana (Foto: Sandro Lima)

O cardiologista Roberto de Gusmão explica que as cãibras causadas pelo canguru podem engatilhar a morte em trabalhadores que possuem problemas cardiovasculares. Esses homens morrem em meio à palha da cana-de-açúcar e a indiferença dos donos da terra e usineiros, que afirmam desconhecer o mal que aflige os subordinados.

“O esforço extremo desses trabalhadores faz com que eles esgotem as fontes de oxigênio e glicose e passem a produzir ácido lático, que causa as cãibras. Essa perda de líquidos e eletrólitos leva ao distúrbio, o chamado canguru, e pode levar o trabalhador à morte”, afirma o médico.

Roberto de Gusmão explica que geralmente as mortes são causadas por arritmia cardíaca. “Esses cortadores de cana podem ter problemas cardíacos não conhecidos e, nessa situação de grande esforço, eles podem ter uma parada cardíaca, assim como acontece com atletas. O desgaste de um trabalhador desses equivale ao de um atleta que corre acima de cinco mil metros”, afirma.

O cardiologista participou da pesquisa de Verçoza e realizou testes cardiorrespiratórios em 22 safristas da cidade de Teotônio Vilela, no Agreste de Alagoas. Os trabalhadores foram para os canaviais equipados com um monitor de frequência cardíaca, além do podão, das botas e de outros equipamentos que utilizam no corte da cana-de-açúcar em uma usina do município. Foram realizadas avaliações físicas, testes ergométricos e o monitoramento da frequência cardíaca. Para avaliação dos distúrbios musculoesqueléticos foi utilizada a versão brasileira do Questionário Nórdico de Sintomas Osteomusculares.

Os testes mostraram que na primeira hora de uma jornada que somaria 10, sob sol escaldante, o coração de um dos trabalhadores atingiu picos de 200 batimentos por minuto (bpm). “O coração sai pela boca”, descreveu o cortador de cana que participou da pesquisa.

No dia do teste, o cortador de cana em questão cortou 7 toneladas de cana, ingeriu 10 litros de água, caminhou aproximadamente 6 quilômetros e gastou 4.395 calorias. “Ao final da jornada, a sua carga cardiovascular (CCV) foi calculada em 39,58%, bem acima dos 33% considerados aceitáveis ao final de um dia de trabalho”, explicou Lúcio Verçoza. A média da CCV do grupo monitorado pelo pesquisador foi de 36,62% para uma produção média de 7,3 toneladas e jornada média de 11 horas de trabalho.

“Nos canaviais trabalha-se até a exaustão, num grau de desgaste equiparável ao de um corredor fundista”, compara Verçoza. A cada safra, os cortadores de cana perdem peso. Um dos trabalhadores que participou da pesquisa perdeu 8,3 kg – e sais minerais, o que provoca distúrbios hidroeletrolíticos, cãibras e dores musculares. “É o canguru pegando”, explica o professor.

As informações obtidas na pesquisa permitiram a Verçoza descrever e analisar – numa perspectiva marxiana, como ele diz – as condições de trabalho e de saúde nos canaviais alagoanos e identificar o que qualifica como “superexploração”.

 

“Dado o salário por peça, é naturalmente do interesse pessoal do trabalhador aplicar sua força de trabalho o mais intensamente possível, o que facilita ao capitalista elevar o grau normal de intensidade. Do mesmo modo, é interesse pessoal do trabalhador prolongar a jornada de trabalho, pois, com isso, sobe seu salário diário ou semanal”. (MARX, 1985, p.141)

 

Na época da pesquisa de Verçoza, os trabalhadores precisavam aguardar até o final do dia para receber atendimento. “Quando o canguru pegava, a vítima tinha que aguardar até o final do dia, sob a lona onde os trabalhadores faziam a refeição – ao lado da carroçaria do caminhão que os transporta desde a cidade até o canavial –, antes de receber atendimento. Nos canaviais de Alagoas, a exploração é levada ao extremo, anulando, inclusive, o futuro do trabalhador: muitos ficam incapacitados ainda em idade produtiva”, afirma o professor.

Para o pesquisador Lúcio Verçoza, é abominável que em pleno século 21 exista um trabalho onde a exaustão leve a pessoa a perder o controle sobre o próprio corpo.

O canguru me fez parar”

 

O rosto enrugado de José Cícero Lemos da Silva, o Cição, de 52 anos, é a marca de uma vida inteira de trabalho nos canaviais do interior de Alagoas. Em idade produtiva, aos 46 anos, o canguru fez o cortador de cana parar de trabalhar e se aposentar, impossibilitado de atuar em qualquer outro serviço. “Eu trabalho no corte de cana desde os 14 anos e não tive tempo de estudar. Somente aos 22 anos tive a carteira de trabalho assinada e trabalhei até que as dores nas costas me impediram de continuar. Eu sinto muita dor nos ossos. Eu cortava até dezoito toneladas de cana por dia e muitas vezes peguei o canguru. Vomitava, ficava branco, verde com dores nas pernas. Sentia muita falta de ar”, relata.

José Cícero parou de trabalhar no corte de cana por problemas relacionados à síndrome do canguru; sua esposa, Maria Cícera, cortou cana desde criança até casar (Foto: Sandro Lima)

Cição lembra que depois dos 40 anos, os ataques de canguru foram debilitando cada vez mais a sua saúde. “A gente faz tanto esforço físico que fica sem gordura no corpo. Bebe tanta água por causa do calor, que perde a fome. Não come quando chega em casa de noite, só quer descansar. Hoje vivo de benefício, com problemas de varizes, esôfago, fígado, baço. Tudo com problema. Foi tudo acumulando durante os anos que trabalhei no corte de cana”, lamenta.

Para o aposentado, o Poder Público deveria desenvolver outra fonte de renda para que o corte de cana não fosse mais realizado de forma manual. “Precisamos da ajuda do governo para ter outra fonte de renda. Se o trabalhador não cortar sete toneladas de cana no dia, ele não é bem vindo no campo, então ele leva o corpo ao limite para alcançar a meta. Eu sou muito novo para parar de trabalhar, mas eu não aguento mais. Eu sinto cãibra até andando de moto”, relatou.

Quando começou no corte de cana, José Cícero conta que saía de casa às 3h da madrugada e chegava por volta das 10h da noite. “Sem ser fichado. Eles falam que hoje está tudo legalizado, mas foram 30 anos de trabalho sem carteira assinada. Nós temos que cobrar por isso, por todos esses anos. Hoje eu sofro as consequências. O canguru dá de noite e não consigo dormir. Se você conversar com qualquer trabalhador com mais de 50 anos, ele não tem coisa boa para contar, não. A gente trabalha nisso porque não tem outra fonte de renda”, relata.

O aposentado lembra que muitas vezes deixou de ir ao médico, mesmo sentindo fortes dores pelo corpo, para não levar falta no trabalho. Ele relata que as usinas não pagam pelo dia não trabalhado e que na próxima safra, quem faltou para tratar da saúde, não é mais chamado para o corte de cana. “A gente trabalha debaixo de sol, de chuva, trovoada e eu lembro de um colega que morreu atingido por um raio. Eu choro à noite, acordo agitado e minha mulher se assusta. São muitas lembranças. Já senti medo de morrer trabalhando. Já senti meu coração bater acelerado muitas vezes”, relata.

“O resultado do corte de cana é parar de trabalhar novo”, concluiu.

A esposa de Cição, Maria Cícera de Lima, de 52 anos, também trabalhou no corte de cana, mas parou quando casou para se dedicar aos filhos. “Eu comecei a cortar cana com dez anos de idade e só parei em 95, quando casei, com 28 anos. No canavial a gente não trabalha só cortando cana, a gente faz o preparo do solo, tem que arrancar a cana pela cepa, com a enxada. Tem que limpar a terra sem deixar nenhuma raiz. É muito cansativo e causa muitas dores nas costas”, lembra a dona de casa.

Orgulhoso, o casal fala dos dois filhos que tiveram e que não precisaram ir para o corte de cana. Cição e Maria Cícera são pais de um homem que trabalha como soldador e de uma mulher que se formou em enfermagem.

Mulheres excluídas do corte de cana

 

Por cortarem menor quantidade de cana-de-açúcar, é cada vez mais difícil encontrar uma mulher trabalhando nos canaviais de Alagoas. Em São Miguel dos Campos e Teotônio Vilela, nenhuma mulher foi contratada para atuar na safra deste ano. “As mulheres começaram a deixar o corte de cana quando começaram a exigir uma média de cinco toneladas por dia. Não é um trabalho humano. Imagina para uma mulher depois de parir, que dá de mamar, trabalhar no canavial. Tudo afasta a mulher desse serviço”, afirmou Josefa Soares França, de 61 anos, secretária de finanças e organização do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de São Miguel dos Campos.

Ela conta que era moradora da zona rural e desde criança começou no corte de cana. Em 1999 ela parou de trabalhar nos canaviais porque, segundo afirmou, os donos das terras começaram a excluir as mulheres pelo fato de produzirem menos que os homens.

Josefa Soares foi cortadora de cana e hoje luta pelos direitos desses trabalhadores (Foto: Sandro Lima)

“Saí da fazenda para vender pão. Meu marido e meu filho adoeceram e tive que dar conta de pagar nossa moradia e alimentação. Naquele mesmo ano entrei no sindicato e desde então temos mudado a vida dos trabalhadores que antes iam trabalhar em caminhões abertos, correndo riscos, e hoje vão de ônibus, têm alojamento para almoçar e descansar. Hoje o trabalho de corte de cana é fiscalizado. Também conseguimos o direito aos equipamentos de proteção individual (EPIs), 13º salário e FGTS”, conta a secretária.

Josefa Soares lembra que até conquistar os direitos trabalhistas para os cortadores de cana, houve muita negociação com os usineiros de Alagoas. Quando os proprietários das usinas sucroalcooleiras não queriam negociar, o Ministério Público do Trabalho (MPT) era acionado. “Passamos madrugadas com fiscais de trabalho dentro dos canaviais, fiscalizando. Viramos referência para outros sindicatos, principalmente por sermos mulheres. Muitos homens não tinham a coragem que a gente tinha. Eles diziam que era perigoso”, relata.

Êxodo rural, tráfico e prostituição

 

No final dos anos 1990 as famílias que moravam nas propriedades rurais, onde tinham habitação, água, energia elétrica e alimento sem custos, foram expulsos pelos donos das terras. Praticamente todos os moradores das zonas rurais dos municípios que possuem usinas sucroalcooleiras em Alagoas tiveram que deixar as fazendas e começaram a “encharcar” as periferias das cidades. Estavam despreparados para aquela realidade e então os meninos começaram a ser recrutados para o tráfico e as meninas começaram a se prostituir muito novas. As casas onde viviam no campo foram demolidas para dar lugar a mais cana-de-açúcar e os trabalhadores tentavam sobreviver de “bicos” quando acabava a safra.

A afirmação é do presidente da Federação dos Trabalhadores Assalariados Rurais de Alagoas (Fetar-AL), Cícero de Oliveira, ex-cortador de cana. “Na fazenda a barriga estava cheia. Morando na cidade, o cortador de cana sai de casa às cinco da manhã e volta às cinco da tarde. Esse trabalhador chega aos 40 anos esgotado. Virou escravo e não ganha o suficiente para viver bem. Eu me lembro que meu pai tinha uma roça que ele cultivava depois do corte de cana. Não nos faltava nada”, lembra.

Cícero comentou ainda o quanto é comum encontrar pessoas nas cidades que já foram cortadores de cana. “Esse trabalhador está empregado apenas durante a safra, e nos outros seis ou oito meses do ano está desempregado e sem seguro-desemprego. Eles são contratados safristas e quando acaba o corte de cana, são dispensados. Então você vê muita gente indo para a construção civil ou até mesmo na praia vendendo coco, que era cortador de cana e teve que encontrar outra fonte de renda”, disse.

Cícero de Oliveira é ex-cortador de cana e atual presidente da Fetar-AL (Foto: Sandro Lima)

Na década de 1980 a Fetar-AL contabilizava 37 usinas sucroalcooleiras no estado e 250 mil trabalhadores atuando nos meses de safra. Agora, com as máquinas agrícolas substituindo a mão de obra, são cerca de 50 mil trabalhadores cortando cana durante a safra para 15 usinas que continuam. “E durante a entressafra, 30 mil ficam desempregados e sem nenhum benefício para sobreviver até que chegue a nova safra”, lamentou o presidente.

Mais de 10 mil vítimas na fabricação do açúcar

 

Dados do Observatório Digital de Saúde e Segurança do Trabalho do Ministério Público do Trabalho (MPT) mostram que entre os anos de 2012 e 2017 foram registrados 10.537 acidentes de trabalhadores que atuam na fabricação de açúcar bruto em Alagoas.

A vítima mais recente foi o trabalhador identificado como Jhonatan da Silva, de 31 anos, que no dia 13 de fevereiro de 2019 caiu dentro de uma caldeira em uma usina na cidade de São Miguel dos Campos. Ele teve quase 100% do corpo queimado e foi levado em estado grave para o Hospital Geral do Estado (HGE), em Maceió. Na manhã do dia seguinte, o homem morreu.

No mesmo dia o procurador do MPT em Alagoas, Rafael Gazzaneo, afirmou que o inquérito buscará apontar o responsável pela morte. “Segundo notícias iniciais, esse trabalhador laborava para uma empresa terceirizada na Usina Caeté. O inquérito civil deve checar se a terceirização era lícita, se está de acordo com a lei. Mas independentemente disso, será apurada a responsabilidade da empresa que estava se beneficiando do serviço do trabalhador, que é a usina”, afirmou.

O corte manual de cana deve ser extinto”

 

Na opinião de outro procurador do MPT em Alagoas, Victor Hugo Carvalho, coordenador em exercício da Coordenadoria de Defesa do Meio Ambiente do Trabalho em Alagoas, o trabalho no corte manual de cana é degradante, mesmo quando os direitos trabalhistas são respeitados pelas usinas sucroalcooleiras. “A atividade manual é extenuante, penosa, e pode desencadear alguns malefícios para a saúde do trabalhador, o afastamento do trabalho e alguns falecem por conta do esforço físico. Nós não sabemos estimar quantos trabalhadores morrem nos canaviais, porque os casos permanecem ocultos, mas temos muitos relatos com relação a isso”, afirma.

Cortadores de cana de Alagoas relatam que são obrigados a cortar toneladas de cana para bater metas pelas indústrias e sofrem com a exaustão do corpo, que os adoecem ainda jovens (Foto: Sandro Lima)

O procurador explica que a forma de remuneração estimula o trabalho extenuante dos cortadores de cana dos canaviais de Alagoas. “Em Alagoas não tem horas extras excessivas. O pagamento por produção é que estimula o trabalho excessivo. Essa modalidade de salário leva o trabalhador ao limite. A nossa preocupação é garantir o salário fixo, porque pagando por produção leva o cortador de cana a trabalhar mais e isso intensifica a ocorrência de doenças e até o falecimento em virtude do excesso de trabalho”, disse.

De acordo com Victor Hugo Carvalho, em Alagoas as indústrias cumprem a Norma Regulamentadora (NR) 31, criada pelo Ministério do Trabalho e Emprego. “Pela norma, o trabalhador cumpre oito horas de trabalho diárias. Mas como explicar os casos recorrentes de canguru? O próprio cumprimento das oito horas por si só já é penoso. O trabalho de corte manual de cana-de-açúcar é extremamente pesado. Não precisa ocorrer o cumprimento de hora extra para que isso ocorra. Por mais que as indústrias zelem pelo cumprimento da NR 31, com alojamentos, área de vivência e salários fixos, a síndrome irá se desenvolver. O canguru e outras doenças”, opina o procurador.

Outro ponto destacado pelo procurador, é a baixa expectativa de vida do alagoano. Os danos causados pelo corte manual de cana-de-açúcar levam os trabalhadores a se afastarem mais cedo do trabalho, motivados por doenças, além de terem um aspecto físico desgastado pela exposição ao sol e excesso de esforço físico. “Temos que enfrentar um questionamento: vamos coibir o corte manual? Sim ou não? Porque na medida em que essa atividade é mantida, vamos continuar enfrentando essa problemática, síndromes, doenças, lesões com facões, o contato com animais peçonhentos. Tudo isso vai continuar ocorrendo”, afirma.

Para Victor Hugo Carvalho, é preciso iniciar um novo patamar do desenvolvimento na produção de açúcar e álcool, no sentido que não seja mais permitido o corte manual de cana-de-açúcar. “É preciso mecanizar integralmente o corte de cana, assim como ocorre em outros países. Uma mera exigência do capitalismo é a incessante produtividade e, consequentemente, a mecanização. Aqui em Alagoas não observamos essa ocorrência, porque as empresas estão endividadas e não têm condições de mecanizar 100% do corte”, opina o procurador.

Para o procurador Victor Hugo Carvalho o corte manual de cana deve ser extinto e políticas públicas devem ser criadas para atender esses trabalhadores (Foto: Sandro Lima)

Mas, e o desemprego? Para o procurador, é preciso erradicar o corte manual da cana e, em contrapartida, criar uma política pública de trabalho e renda em outros setores, migrando esses trabalhadores para outras atividades, como a agricultura. “Seria a solução ideal. A criação de uma ação conjunta entre a União, estado e municípios onde há atividade canavieira. Infelizmente não temos nada nesse sentido aqui no Brasil, porque se você falar em erradicar o corte manual da cana-de-açúcar, as empresas não querem saber. Por outro lado, os trabalhadores têm receio de perder sua colocação. Nós observamos o problema social que é gerado quando uma dessas usinas fecha”, comentou.

“É uma questão delicada. Poderíamos ajuizar uma ação civil pública para coibir o corte manual, mas isso geraria sem dúvidas uma reação desses trabalhadores”, continuou.

Para o procurador, no Brasil não existe uma cultura de prevenção. “As políticas públicas são algo ainda incipiente. Algumas regiões, municípios específicos, já têm essa cultura, mas no Brasil como um todo ainda não se desenvolveu esse olhar para a prevenção, para o futuro. Não se pensa na criação de novos postos de trabalho para os cortadores de cana, porém, muitos se aposentam jovens por invalidez. Adoecem. Pessoas com 35 anos têm a aparência de uma pessoa de 50 e ficam incapacitadas para o trabalho. A maioria é analfabeta, então não conseguem uma colocação em outra atividade que não a agricultura ou o corte manual da cana-de-açúcar. Esse trabalhador acaba recorrendo para a aposentadoria por invalidez. Isso não é gasto para o Estado?”, questiona.

O corte de cana-de-açúcar lidera como a profissão com o maior número de acidentes de trabalho em Alagoas, sendo responsável por 45% dos casos registrados no estado.

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Fonte: Tribuna Independente / Thayanne Magalhães

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