Covid-19: ‘População ainda não entendeu gravidade da situação’, diz infectologista
Mesmo com medidas mais duras no estado, Observatório da Ufal diz que colapso na rede hospitalar pode ocorrer esta semana
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Com uma taxa de isolamento de 48% durante o último fim de semana, Alagoas está longe de alcançar o patamar necessário para frear o contágio descontrolado do vírus da Covid-19. Segundo o Observatório da Covid-19 da Universidade Federal de Alagoas (Ufal) é necessário um percentual mínimo de 60% de distanciamento. O resultado disso segundo o comitê é um provável colapso da rede hospitalar do estado ainda esta semana.
“A literatura diz que para começar a fazer efeito é necessário 60% e estamos bem distantes disso. Num fim de semana onde normalmente atingimos menores índices de circulação de pessoas atingimos esse patamar de 48%. Mantido o comportamento que temos atualmente é difícil controlar o contágio sem novas medidas de supressão. Pelas previsões, se não houver aumento de leitos durante a semana é possível atingir a capacidade máxima até o fim de semana. Se a estratégia for abrir leito e não adotar novas medidas de controle o governo vai precisar abrir leitos toda a semana”, avalia Gabriel Badue, coordenador do Observatório.
O relatório da 11° semana epidemiológica aponta para aumento de 44% no número de casos e 23% no número de mortes em relação a semana anterior. Outro dado que chama a atenção é o percentual de testes positivos: 42% de todos os testes feitos pelo Laboratório Central de Alagoas (Lacen).
“Houve um aumento no esforço para a realização de testes. Tínhamos em média 1.600 testes realizados pelo Lacen durante a semana. Na última semana tivemos mais de 4 mil testes feitos e 42% deram positivo para Covid-19. É um valor muito alto que demonstra que a doença continua em descontrole”, pontua o pesquisador.
A infectologista Luciana Pacheco lamenta a situação. Para a médica, tem faltado sensibilidade da população em adotar os protocolos de prevenção.
“Infelizmente a sociedade ainda não compreendeu a gravidade da situação. É impressionante. Não é só aqui [em Alagoas], é no país inteiro, são festas clandestinas, festas em ônibus, em trem. Que loucura é essa? Isso na minha interpretação beira uma loucura generalizada e isso claro começa pelo presidente da República. Quando você tem uma pessoa diariamente negando a gravidade da situação, questionando o número de mortes, onde ele deveria dar exemplo do que a ciência recomenda e ele faz o que faz todo dia, fica difícil até para a população saber em quem acreditar”, desabafa a médica.
A infectologista aponta que é preciso frear o avanço da doença. “Se as coisas continuarem do jeito que estão vamos continuar nessa situação por muito tempo. Se não houver a resposta adequada em redução de casos e ocupação é possível que isso evolua para uma gravidade ainda maior”, afirma Luciana.
De acordo com o Observatório, o índice de reprodução do vírus no estado aponta para “um crescimento nas infecções para as próximas semanas”. O que significa que o pico da segunda onda da doença deve ocorrer esta semana. “Na 10ª Região Sanitária, que abrange parte do Sertão, o número de casos e óbitos já superou o visto em qualquer outro período”, dizem os pesquisadores da Ufal.
Falta de leitos para Covid-19 já impacta outras doenças
Na avaliação de Luciana Pacheco, apesar de o endurecimento das medidas sanitárias produzirem efeitos positivos a longo prazo “é muito difícil” adotar este tipo protocolo no país.
“É muito difícil estabelecer um lockdown nesse país, por conta da questão comportamental do brasileiro. Algumas pessoas são contra e a gente sabe da dificuldade econômica, de quem sobrevive do comércio. Mas enquanto a gente não controlar a taxa de infecção do vírus a gente não vai conseguir controlar a pandemia nunca. Quanto mais se abre leito, mais se ocupa, porque a transmissibilidade não é interrompida. Em Araraquara, eles fizeram um lockdown de verdade. Lá estavam colapsados e conseguiram redução de 50% dos casos”, diz Pacheco.
A médica argumenta ainda que a falta de leitos para pacientes com Covid-19 já vem impactando o tratamento de pacientes com outras doenças. Além disso há preocupação com estoque de medicamentos e recursos humanos para tratar esses pacientes.
“A rede privada está numa condição pior que a rede pública porque não são tantos leitos quanto a rede pública conseguiu abrir e não é apenas Covid-19. Há cerca de um mês um primo meu, jovem, de 42 anos, teve uma hemorragia digestiva aguda, não tinha vaga na UTI. Se tivesse numa UTI talvez tivesse tido mais chance. Os leitos estão ocupados por Covid, pós Covid, ocupam leitos que é uma consequência. É uma situação muito complicada que a gente vem passando. Fora a falta de medicamento. Ainda não tem havido, mas há a preocupação. O Brasil todo está assim, não é só Alagoas. É muito triste”, diz Luciana.
PERÍODO CHUVOSO
A preocupação com o período chuvoso, segundo o pesquisador Gabriel Badue, é pelo aumento no número de casos suspeitos. Gabriel explica que não há impacto do período mais frio, ou chuvoso na doença, mas sim a pressão causada por outros problemas típicos do período como dengue e influenza.
“O coronavírus não tem relação com o período chuvoso. O que temos é um aumento de casos suspeitos num período onde há aumentos de casos de outras doenças como dengue e influenza que tem sintomas semelhantes”, diz Gabriel.
A infectologista apela para o bom senso. “Vai sair, usa máscara, evitar ficar perto de outras pessoas. As pessoas usam máscara no queixo, não adianta de nada. As pessoas precisam acreditar que o vírus existe, que é perigoso porque pode ser um familiar, um ente querido a próxima vítima e não vai ter leito como tem acontecido na rede privada. Desde o início da pandemia a gente vem falando, mas as pessoas não escutam. Parece um pesadelo que nunca acaba. É preciso que o governo ajude, que faça sua parte, que dê suporte porque sem isso ninguém segura”, lamenta.
Fonte: Tribuna Independente / Evellyn Pimentel