Campanha das “Diretas Já” completa 40 anos
Data do primeiro comício por eleições diretas, na Praça Charles Miller em São Paulo, coincide com aniversário de morte do ex-senador Teotônio Vilela, o Menestrel das Alagoas

O tortuoso caminho de volta à democracia estava apenas com os dias contados, mas não seria uma tarefa fácil derrubar o que ainda restava de ditadura militar e garantir aos eleitores brasileiros o direto a escolher, por meio do voto direto, o presidente do Brasil. Foi por meio dos movimentos sociais, sobretudo com a participação os estudantes e lideranças sindicais, que a campanha das ‘diretas já’ ganhou às ruas, no início dos anos 80.
Até então, os grandes partidos e a imprensa burguesa, não acreditavam que aquele sonho distante de votar para presidente era possível e tinha tudo para se tornar realidade. Só depois da primeira grande manifestação por eleições diretas, realizada no dia 27 de novembro de 1983, na Praça Charles Miller, em frente ao Estádio do Pacaembu, em São Paulo, foi que a campanha deslanchou, espalhando-se pelo resto do País.
Coincidentemente, nesta mesma data, há exatos 40 anos, morria o saudoso senador Teotônio Vilela, que ficaria conhecido nacionalmente como o “Menestrel das Alagoas”. A notícia da morte dele, anunciada pelo locutor oficial do comício pelas diretas, deixou o público altamente entristecido. Cerca de 15 mil pessoas participavam do ato, que chegava ao fim, com a triste notícia, provocando um enorme sentimento de perda na multidão.
Estudante do terceiro ano de Jornalismo e militante do movimento estudantil, eu estava lá, na frente do Pacaembu, para exigir eleições diretas e protestar contra o arrocho salarial e o desemprego no País. No anúncio da morte do senador Teotônio Vilela senti um orgulho enorme de ser alagoano, da mesma terra do Menestrel das Alagoas.
À época, o Brasil ainda vivia sob a ditadura. Os partidos de esquerda ainda viviam na clandestinidade e seus militantes se reuniam às escondidas, com receio de perseguição. A presidência da República era ocupada pelo general João Batista Figueiredo, aquele que preferia o cheiro do cavalo, ao cheiro do povo. Do ponto de vista da conjuntura, o País estava entrando numa fase de redemocratização.
Um ano antes, em 1982, nas primeiras eleições para governador desde 1965, a oposição ganhou nos maiores Estados. Além disso, em setembro do ano seguinte, o Congresso rejeitou o Decreto-lei 2.024, de arrocho salarial. Era a primeira vez que o parlamento derrubava um decreto-lei do Executivo, acostumado, desde o golpe, a apenas ter chanceladas suas decisões.
Impulsionados por estudantes, sindicalistas e partidos de esquerda, os movimentos pela democracia ganhavam as ruas, a partir dos grandes centros e se espalharam pelo País. Por isso, a campanha das diretas ganhou destaque como uma grande bandeira de luta pela democracia e foi conquistando o povo com intensidade, até culminar com as grandes manifestações de massa, que marcaram os anos 80.
Luta popular pela democracia marca década de 1980
Como o primeiro comício das diretas repercutiu, até porque aconteceu no mesmo dia da morte do Menestrel das Alagoas, a campanha pelo voto direto para presidente ganhou impulso no ano seguinte. Ou seja, aquele evento, realizado apenas pelos militantes de esquerda e os movimentos sociais, ganhou repercussão nacional e serviu como pontapé inicial do movimento conhecido como Diretas Já, que em 1984 tomaria conta do País.
A bem da verdade, esse marco inicial não seria tão forte como foi, se a data não coincidisse com a morte de Teotônio. Até porque, embora o PMDB tenha comparecido ao ato, foi o PT que de fato se empenhou na organização do comício da praça Charles Miller, reunindo milhares pessoas, naquele domingo, para exigir do Congresso Nacional eleições diretas para presidente da República.
Após o sucesso do comício do Pacaembu, a ‘campanha das diretas’ começou a ganhar corpo, de fato, no ano seguinte. Logo no começo de 1984, no dia 25 de janeiro, uma verdadeira multidão lotou a Praça da Sé, no Centro da capital paulista, para mais um grande comício pelas ‘diretas’. Pouco dias antes, em 12 de janeiro, o público já havia comparecido em peso à manifestação organizada em Curitiba.
Apesar da luta pelas diretas ter mobilizado o Brasil em 1984, o comício do Pacaembu é considerado um marco nessa luta. Com participação do PT, PMDB e PDT, da União Nacional dos Estudantes (UNE), da recém-criada CUT e da Comissão Justiça e Paz da OAB, a campanha refletiu uma insatisfação crescente não só com a asfixia política, mas com a crise econômica, o desemprego, a inflação e a pobreza.
HINO DA CAMPANHA
Portanto, essa efeméride importante ficará marcada para sempre na história do Brasil como o início da campanha das diretas já e o aniversário de morte do saudoso senador Teotônio Vilela, filho natural de Viçosa, nascido no dia 28 de maio de 1917 e falecido no dia 27 de novembro de 1983. O enterro dele, no cemitério Parque das Flores, reunião uma verdadeira multidão, enlutada.
Quis o destino que fosse assim. No dia da sua morte, ele que tanto lutou pela redemocratização do Brasil, uma grande manifestação por eleições diretas começava a ganhar força. Não por acaso, Teotônio que se tornaria um dos símbolos da campanha das diretas. Composta por Milton Nascimento e Fernando Brant, a música ‘Menestrel das Alagoas’ foi um verdadeiro “hino” do movimento.
Apesar de tudo, Emenda Dante Oliveira foi derrubada
No entanto, apesar da brilhante campanha, em abril de 1983, a chamada ‘Emenda Dante de Oliveira’ foi derrubada na Câmara, colocando uma pá de cal na campanha pelas diretas. O deputado federal Dante de Oliveira (PMDB/MT), à época com 31 anos, foi o autor da emenda à Constituição, mas sua proposta, propondo restabelecimento imediato das eleições diretas para presidente, foi rejeitada.
Para ser aprovada, a emenda Dante de Oliveira precisaria de dois terços dos votos dos deputados federais. Apesar de toda a pressão das ruas, foi reprovada, mesmo tem ampla maioria de votos na Câmara: 298, ante 65 contrários e três abstenções. Mas faltaram 22 para sua aprovação. E 113 parlamentares se omitiram e faltaram à sessão de 25 de abril de 1984. A frustração foi enorme.
COLÉGIO ELEITORAL
Como a ‘Emenda Dantes’ não conseguiu os 320 votos que precisava para ser aprovada e encaminhada ao Senado, a campanha das diretas foi abandonada pelos partidos tradicionais e a imprensa burguesa, apenas os estudantes, ligados ao PT, queriam que a luta continuasse. Tanto é que levaram a proposta para o Congresso da UNE, no Rio de Janeiro, em outubro de 1984, mas foram derrotados.
Nesse Congresso da UNE, realizado no Maracanzinho, a tese vitoriosa, defendida pelo PCdoB, declarava apoio à eleição indireta de Tancredo Neves para presidente, no Colégio Eleitoral – um instrumento da Ditadura Militar, usado pela última vez no dia 15 de janeiro de 1985. Resultado: Tancredo, que tinha o senador José Sarney como vice, ganhou a disputa contra Paulo Maluf, por 480 votos contra 180.
A derrota do ex-prefeito de São Paulo, que teve o apoio do então deputado federal Fernando Collor, serviu para mostrar que regime militar estava desgastado, não ganhava nem eleição indireta. Com isso, a oposição saiu fortalecida. Prova disso foi a posse de Sarney, garantida pelo Congresso, quando o presidente não pode assumir, por problemas de saúde, no dia 15 de março de 1985, em Brasília.
Diferentemente do PT, o PCdoB apoiou Tancredo, e no ano seguinte, nas eleições de 1986, aliou-se a Fernando Collor na disputa pelo governo de Alagoas. Detalhe: um ano antes, Collor havia votado em Maluf, seu padrinho de casamento, no Colégio Eleitoral. Com o governo do Estado nas mãos, Collor fez de Alagoas trampolim para chegar à Presidência, derrotando Lula, do PT, nas eleições de 1989.