“Demarcação de terras indígenas em Alagoas tem atraso de 30 anos”
Cientista político comemora vitória do povo Karuazu, mas fala sobre prejuízos sofridos pela demora de ações do governo federal
Uma decisão favorável à demarcação de terras indígenas em Alagoas divulgada na semana passada é vista com bons olhos por quem acompanha a luta dos povos tradicionais. De acordo com a 5ª Turma do Tribunal Regional Federal da 5ª Região (TRF5), a Fundação Nacional do Índio (Funai) e a União permanecem obrigadas a cumprir o prazo e realizar a demarcação de terra do povo Karuazu, localizado na região de Pariconha, alto Sertão alagoano, conforme determinação da Justiça Federal.
Na avaliação do cientista político Jorge Vieira, uma decisão dessa para dar continuidade ao processo de demarcação é vista com muito bons olhos. “Infelizmente estava totalmente paralisada a política indigenista em relação aos povos indígenas. Não só paralisado, como pelo contrário, teve retrocesso. Os quatro anos de governo Bolsonaro foram um retrocesso na política indigenista de no mínimo 100 anos”, explica à reportagem da Tribuna Independente.
O povo Karuazu, segundo o estudioso, é muito forte. “Eles mantêm todo o ritual e praticam tudo. Mantém a estrutura de organização cultural, política, econômica social e religiosa. Inclusive, agora estão no período de realização dos rituais que acontece nos três primeiros finais de semana”.
A suspensão foi negada agora, mas a solicitação foi anterior. “Este debate já vem ocorrendo há bastante tempo. Esta discussão também envolve a questão do Canal do Sertão, que passa pelas terras do povo Karuazu. Segundo o artigo 231 da Constituição, para poder ter feito a transposição deveria ter escutado as comunidades indígenas por onde ia passar o canal”, ressalta.
O Ministério Público Federal, responsável pela ação pública a favor do povo Karuku, ressalta os prazos. “A Justiça sentenciou que, em 18 meses, seja concluída a 1ª fase do processo. Ainda de acordo com a decisão, é concedido prazo de 6 meses para conclusão das fases [2ª a 5ª] de responsabilidade da União, em cada uma delas”.
Utilizando como referência uma condenação que o país sofreu em um processo semelhante, a decisão destacou a prioridade de cumprimento de sentenças da Corte Interamericana de Direitos, onde o Estado Brasileiro recebeu condenação pela demora no processo de demarcação e desintrusão das terras do povo Indígena Xukuru. Naquela ocasião, a Corte também fixou prazos para conclusão do processo.
A expectativa agora é que o novo governo o processo seja destravado. “Essa é a promessa do governo Lula. Desde o primeiro mandato do presidente Lula, ele diz que o Brasil tem uma dívida histórica com as populações indígenas. Com a criação do Ministério dos Povos originários com certeza o que se espera é isso. Porque isso já está consolidado na legislação, nível constitucional, está tudo delimitado como deve ser feito. Só depende agora da decisão política e colocar em prática a decisão administrativa. Não precisa nenhum procedimento jurídico, absolutamente nada”.
Em AL, 11 comunidades têm processos pendentes
Desde o impeachment de Dilma, segundo Jorge Vieira, que o processo de demarcação não avança. “Na verdade, é totalmente atrasado e paralisado, principalmente nos últimos seis anos [dois do Temer e quatro do Bolsonaro]”.
À Tribuna Independente, Jorge Vieira diz que esse atraso já vem há mais tempo. “Porque a constituição de 1988 dá um prazo, no artigo 77, de cinco anos para que as terras indígenas fossem demarcadas a partir da promulgação. Quer dizer que é de 1993, na verdade, o processo”.
O atraso só não é de 30 anos para todos porque alguns povos começaram a reivindicação a partir de 1998. “Mas de lá pra cá até o processo de identificação, que foi a primeira etapa da demarcação, tá paralisado e em algumas comunidades nem esse processo foi feito”.
A preservação histórica em Alagoas está sofrendo com o atraso. “Nós temos aqui 11 comunidades indígenas onde a maioria delas o processo de demarcação está pendente completamente se não paralisado, e isso traz prejuízos de toda ordem. Tem impacto muito grande no processo de desestruturação da organização social, política e cultural da comunidade”.
Outro prejuízo é a redução da área, que já é reconhecida e não demarcada. “Principalmente essas áreas que já estão reconhecidas, como o Xucuru Kariri. Já foi reduzida essa área. Era 36 mil hectares e a demarcação que está aí proposta é de 7 mil hectares. Ainda tem esse problema de redução de território”, comenta.
Ele explica que porque muitas dessas comunidades quando não tem a terra se deslocam para outras regiões. “Eles estão indo buscar alguma forma de trabalho na colheita na cana de açúcar, de maçã, laranja, algodão. Essas idas acabam trazendo prejuízos para dentro da comunidade com os novos costumes que eles aprendem lá fora. Chegou até um indígena que terminou morrendo acidentado na construção civil no Rio de Janeiro. Então veja que o prejuízo é inclusive com perdas de vida”.
Elite
Resistência ainda é muito forte nos municípios
Ainda em contato com a reportagem da Tribuna Independente, o cientista político Jorge Vieira, que há anos realiza pesquisas e estudos com as comunidades indígenas em Alagoas, destaca que o governo Lula, ao assumir o comando do país este ano, anunciou que vai priorizar a demarcação de terras, no entanto, em Alagoas já existe uma resistência forte a esta medida.
“Desde que o novo governo assumiu e anunciou priorizar a terra Xucuru Kariri e Kariri Xocó, em Palmeira dos Índios, fazendeiros e políticos já começaram a se manifestar. Com ameaça aos índios, colocando questões de que os índios iam invadir a cidade. Esse tipo de discurso que é recorrente desde o século passado. Em outros tempos já tiveram ameaças reais, índios desaparecidos que não foram encontrados, e também boatos através dos meios de comunicação”, relata Vieira.
Jorge Vieira atribui ao interesse de políticos e elite essa ofensiva. “Os políticos se aproveitam disso, eles confundem a opinião pública dizendo que vai paralisar a economia do município, a demarcação da terra. E também confunde o pequeno posseiro com os grandes fazendeiros, que são os interessados e são eles que mobilizam a sociedade”.
Ele também defende que a realidade é o contrário, e afirma que a cidade se desenvolve com o trabalho dos indígenas. “Quem sustenta a cidade de Palmeira dos Índios, principalmente de banana, batata doce e macaxeira são os índios Xucuru Kariri. E mais ainda, quem mais protege o meio ambiente é o próprio índio, a Mata da Cafurna que é uma das aldeias dos Xucuru Kariri, é preservada porque está na posse dos indígenas, se não tivesse já teriam sido desmatadas”.